Por Márcio Walter Machado |
ENTREVISTA HILDA
EVANGELISTA
Com 75 anos dedicados ao ensino, a professora, nascida no sertão da Bahia há 91 anos, conta ao NEWSBASTIDORES um pouco da sua trajetória de vida e fala sobre a importância da educação doméstica e formal para transformar vidas e mudar destinos.
Por Márcio Walter Machado
Numa época em que o analfabetismo batia índices altíssimos e que a educação era para poucos, o que levou a senhora, moradora do sertão, a estudar?
Meus
pais. O legado de maior importância para os filhos era o estudo. Foi minha mãe,
aliás, que me alfabetizou. Por isso, quando entrei na escola eu já lia a Cartilha.
A instrução era tão importante que até a nora, a esposa de meu irmão mais velho,
meu pai pôs numa escola para ela concluir o curso primário.
Como era o sistema de educação na sua
infância?
A
gente, no primário, estudava por cinco anos. Primeiro vinha a Cartilha, depois
o primeiro livro, segundo livro e terceiro livro (de leitura), os quais eu estudei em
Santaluz (BA). Aí, então, eu fui estudar o ginásio no ICEIA, em Salvador. Tínhamos
quatro anos: 1º ano ginasial, 2º, 3º e 4º. A gente entrava no ginásio através
de um concurso de admissão como se fosse um vestibular. Fazíamos duas provas,
uma escrita e outra oral, de todas as matérias – português, geografia,
matemática e ciências. A prova oral
tinha cinco professores que sorteavam os pontos a serem explicados por nós. Você
tirava o ponto para o professor de determinada matéria, ele arguia, depois
tirava outro ponto para o outro professor e assim ia até respondermos tudo. Se
você não passasse, teria que esperar mais um ano, ser submetido a todo o
processo novamente até ser admitido. Após a conclusão do ginásio, vinha a
formatura em Ciências e Letras.
O relacionamento do professor e do
aluno na sala de aula era mais severo, mais formal? Porque hoje em dia o
professor é chamado de “tio”, pelo nome...
“Tio”,
não, era professor mesmo e com todo o respeito. De tal forma que os alunos se
levantavam quando o professor entrava na sala. Se levantavam! E ainda tinha uma
censora em cada turma. Quando batia a campa para o início da aula não ficava
nenhum aluno no pátio. A censora botava todo mundo na sala e sentava numa
cadeira atrás da gente. Aí o professor dava aula, e, só depois que o professor
saía, o aluno podia ficar no corredor. Na hora que batia a campa todo mundo
entrava novamente. Era uma educação mais ordeira.
Qual a sua opinião sobre o ensino em
sala de aula hoje, onde muitas vezes os professores são tratados com
desrespeito, ameaçados, chegando, inclusive, a sofrer agressões físicas e
morais?
Eu acho terrível. Eu acho isso
consequência da educação do lar. Porque o professor não vai para a sala pra
educar o aluno, o professor vai para ensinar e não pra educar, a educação é
doméstica. Quando o aluno vai para o colégio, já sabe como deve proceder, ou
pelo menos deveria.
É notória a mudança no sistema
educacional brasileiro, o qual vem, ao longo dos anos, empoderando cada vez mais
os alunos enquanto os professores perdem autoridade de forma crescente.
Isso é positivo ou negativo?
Eu
vejo de forma negativa. Pois o professor hoje só tem deveres,
os direitos são dos estudantes. O profissional em sala de aula deve fazer isso, isso, isso, e mais isso,
enquanto o direito é do aluno. Se o professor falar mais alto um pouquinho, o
aluno levanta, pode até jogar um livro na cara dele ou dela, fazer e acontecer.
E aí, em vez da Lei perguntar o que foi que o aluno fez, ela pergunta como foi,
por que o aluno fez isso como se o professor fosse o responsável pela agressão.
Assim, as leis protegem o estudante, não o mestre. Quem tem direito é o aluno,
o professor só tem deveres, então, como é que transforma? É uma situação difícil.
É verdade ou não é mais verdade que a
educação, em sentido geral, pode transformar as pessoas e as pessoas o mundo,
conforme Paulo Freire postulou?
Eu
digo que o que pode transformar a pessoa é a educação nesse sentido amplo, pois
a instrução vem porque o aluno deseja. Não é o professor que obriga o aluno a
estudar, é o aluno que deseja estudar. O professor vai para aula ensinar, agora,
o aluno aceita se quiser, não é verdade? O aluno aceita se quiser e, em
aceitando, ele pode transformar as realidades.
A realidade de muita gente foi
transformada não só pela sua instrução, mas também pelo seu exemplo de vida. Por
causa disso, em 2009, a Prefeitura Municipal de Ibicaraí (BA) a homenageou
pelos serviços prestados à educação dando seu nome a uma escola da cidade.
Ah,
graças a Deus! Eu acho importante o que eu fiz, porque eu cumpri o meu dever
como professora. Eu fui à formatura do desembargador João Augusto (de Oliveira
Pinto) em São Paulo, ele falou: essa aqui foi minha professora de matemática em
Ibicaraí. E aí a turma me rodeou e disse: “foi minha também, foi minha também”,
todos foram da época dele, daqui. Aí cada um queria tirar uma foto comigo e foi
aquela confusão.
Vendo
esses e tantos outros bem encaminhados na vida eu acho que cumpri o meu dever
de professora.
Muito interessante! É importante pensar a respeito da educação na sociedade atual...não vivi nos anos em que professores eram valorizados e respeitados, mas sinto que a educação do jeito que funciona hoje não funciona e podemos perceber isso na "miséria" social em que vivemos hoje...não gosto nem de imaginar como serão as próximas gerações se o processo educacional continuar como está, como ela fala, eu acho terrível!
ResponderExcluirTalvez devamos pensar mesmo na maneira como estamos educando as crianças em casa. Como a professora falou, a educação doméstica quem dá é a família. E essa educação, aliada à instrução, é que transforma o mundo.
ExcluirExcelente entrevista, muito bem conduzida... E excelente entrevistada, muito lúcida em suas colocações!
ResponderExcluirObrigado! A Professora Hilda é uma pessoa de respostas firmes e seguras. Foi ótimo entrevistá-la.
ExcluirEntrevista excelente, estava incrível o ponto de vista desta professora fantástica. Parabéns Marcio continue escrevendo textos como esse.
ResponderExcluirObrigado! Foi realmente uma experiência maravilhosa esta primeira entrevista!
ExcluirParabéns meu amigo, incrível entrevista, a forma que foi abordada e também tem uma pitada de alerta. Você é incrível em tudo que faz. Boa sorte nessa paixão.
ResponderExcluirMuito obrigado! (esqueceu de assinar :D )
ExcluirMuito boa a matéria! Ser professor é uma das profissões mais lindas que eu já vi. Cada dia é um dia. Enfrentar uma sala com mais de vinte personalidades diferentes não é para qualquer um. Requer respeito mútuo, paciência, disposição, sabedoria e uma boa didática. A educação de fato transforma. E é isso que todos nós precisamos, aliás de uma BOA educação, não apenas "a". Se tivéssemos o método aplicado de ensino da época de Dna. Hilda nos dias de hoje, como seria a nossa sociedade?
ResponderExcluirCongratulações pelo blog e pela entrevista Marcitão! :)
É verdade, Danúbio! É como ela diz, o aluno precisa querer a instrução para se transformar. O professor se esforça para isso, mas a vontade sempre é individual.
ExcluirObrigado pelo comment ;)