O SOCO IRLANDÊS

  ENTREVISTA     JOHN DONNELLY


Considerado um dos maiores lutadores de MMA na categoria peso médio (71-77 Kg) da Irlanda, o atleta, de 35 anos, que angariou diversas vitórias ao longo da década de 2000, conversou, pela internet, com o NEWSBASTIDORES sobre sua carreira, a influência do Brasil em sua vida, e o motivo de ter "pendurado as luvas" precocemente. Leia a entrevista a seguir. 

POR MÁRCIO WALTER MACHADO 


Um dos estereótipos irlandeses mais prevalentes é o do cara que sempre se envolve em brigas de pub. Isso se encaixa a você?
Acredito que não. Mesmo tendo sido fascinado por artes marciais desde a infância – porque eu curtia muito assistir a filmes de luta e ação -, como muita gente, eu procurava nunca me envolver em brigas quando era mais jovem e, quer fosse na escola, quer no meu bairro, ficava cabreiro de brigar com outros garotos.  

O que o levou a lutar?
Nós vivíamos numa comunidade meio complicada, em Dublin, de maneira que a necessidade de autodefesa era uma constante e algo que meu pai sempre instigou em meus irmãos e em mim. Ele mesmo é desportista. Cresci vendo ele malhar, correr, cuidar do corpo. Meu pai foi minha maior influência.

Que idade você tinha quando começou a lutar?
Tinha13 anos quando entrei no boxe. Comecei a praticar a luta porque um grande amigo meu tinha entrado numa academia e meu pai, que sempre encorajava a gente a trabalhar o corpo através dos esportes, me incentivou a ir com ele. Depois de um tempo fazendo boxe, me engajei no karatê e outros tipos de artes marciais.

Por que escolher o MMA?
Acho que escolhi o MMA porque posso fazer uma mistura das melhores partes de todas as artes marciais que eu aprendi. Com ele, consigo usar todas as minhas técnicas favoritas e não preciso dar tanta atenção àquelas de que não gosto muito ou que não acho que são úteis. O MMA também me proporcionou desenvolver um estilo próprio que está mais de acordo com minha personalidade.

Qual a sensação de entrar no octógono pela primeira vez?
Nada se compara à sensação de entrar no octógono pela primeira vez antes de uma luta. Você se pergunta por que está ali, por que não escolheu um esporte menos perigoso para praticar; se pergunta se treinou o bastante. Você também se questiona se seu oponente está melhor preparado e se você realmente deveria estar ali. Todos os tipos de pensamento passam por sua mente ativando aquele mecanismo do seu corpo que lhe diz para ficar e encarar a luta ou sair correndo. Algumas pessoas comparam essa sensação à do coelho estático diante das luzes do carro na estrada, porque você também fica sem saber o que fazer até que escuta a campainha. Daí, quando ela soa, tudo aquilo que você aprendeu vem à tona e seu instinto natural de luta toma conta de você. Em meu caso, minha mente estava pensando tão rapidamente que eu me afobei e comecei a antecipar os golpes e a executá-los de forma errada. Foram precisas algumas lutas para relaxar psicologicamente na hora em que eu entrava no octógono e me acalmar para competir no MMA.

Na sua primeira luta profissional, contra Tim McCory, em 2004, durante o ROT1 (Ring Of Truth 1), foram precisos apenas 0.50s para derrotá-lo. O mesmo aconteceu no BFC1 (Battlezone Fighting Championships 1), de 2010, contra Chris Clark. As vitórias tão rápidas foram por causa de sua superioridade técnica?
Acho que, nos dois casos, minhas habilidades estavam mais desenvolvidas que as de Tim e Chris. Acredito que tenha treinado mais e estava melhor preparado para as lutas que meus oponentes. Também tive alguns treinadores muito bons. Então, eu acho que estava em um nível de luta mais avançado que eles naquele momento, e isso, junto com uma mãozinha da sorte, contribuiu para ambas as vitórias.

Contra o brasileiro Neydson Santos Ferreira, pelo CW4 (Clans Wars 4), em 2010, a sua vitória foi por decisão unânime dos juízes. O que dificultou a derrota do oponente?
Ferreira foi um oponente muito bom. Ele gostava de ficar na esquiva e não me dava muito espaço para crescer na luta. Muitos irlandeses estavam esperando que eu ganhasse facilmente, pois ele tinha perdido a luta anterior aqui na Irlanda por TKO (nocaute técnico) já no primeiro round. Isso me pôs sob uma pressão enorme de ter que finalizá-lo de forma segura, como o outro cara tinha feito anteriormente. No entanto, é óbvio que ao perder a luta anterior ele tenha ficado mais cuidadoso para não cometer os mesmos erros e estava com uma aproximação mais estratégica, o que fez com que a luta fosse mais difícil do que eu esperava.

A cultura brasileira e o idioma português já faziam parte de sua vida nessa época?
Não. Eu não tinha nenhum amigo brasileiro na época e meu conhecimento sobre a cultura e o povo era mínimo. A única coisa que eu sabia era que o Brasil ficava na América do Sul, o Brazilian Jiu Jitsu tinha sido criado no Brasil, e que vocês tinham um dos melhores times de futebol do mundo. 

Quais motivos o levaram a se interessar pelo Brasil e pelo idioma português?
As artes marciais e o desejo de falar outra língua! Eu estava aprendendo BJJ (Brazilian Jiu Jitsu), e, como alguns dos melhores lutadores do mundo eram brasileiros, achei que aprender português viria bem a calhar. Vários faixas pretas brasileiros de alto nível vieram dar palestras na Irlanda e eles falavam inglês muito pouco. Como nenhum de nós falava português, pensei que se a língua não fosse uma barreira para mim, eu poderia aprender os aspectos mais técnicos do esporte com alguns dos melhores mestres e lutadores do mundo que viessem aqui.

Como está a representação do Brasil no MMA hoje?
Houve uma época em que o Brasil era imbatível na elite do MMA por ter muitos campeões famosos e talentosos. De modo que, em certo estágio, a maioria esmagadora dos campeões mundiais era de brasileiros. Hoje em dia, isso está mais disperso porque o esporte cresceu e evoluiu. No entanto, os lutadores e equipes brasileiros ainda são muito respeitados no esporte e o país ainda produz grandes atletas.

Anderson Silva e Vitor Belfort ainda estão no páreo ou já passaram da hora de se aposentar?
Eu acho que tanto Anderson quanto Vítor tiveram alguns dos momentos mais memoráveis na história do MMA com nocautes incríveis, grandes vitórias e disputas que nunca serão esquecidas pelos fãs. Mas eu acredito que, infelizmente, eles estão chegando ao fim de suas carreiras e provavelmente não terão mais muitas vitórias pela frente. Seria triste vê-los prolongar suas carreiras e arriscar sua saúde só para perder de caras que, em outros tempos, eles teriam vencido de forma muito superior – o que, aliás, infelizmente, já está acontecendo com eles.

Conor McGregor é a esperança da Irlanda ou há muita mídia em cima dele?
Conor MacGregor é como o Marmite aqui na Irlanda: ou as pessoas gostam ou odeiam. No entanto, com toda a atenção que a mídia tem lhe dado, ele conseguiu tirar o MMA das sombras e trazê-lo para o público irlandês, fazendo com que o esporte seja mais aceito e reconhecido, apesar de toda a controvérsia que cerca sua figura e de todas as coisas estúpidas que ele diz.

Por que você resolveu pendurar as luvas?
O MMA é um esporte para jovens e eu sempre tive em mente que daria o meu melhor aos vinte, vinte e poucos anos, e que, nesse período, eu conseguiria ver o quão bom eu poderia ser e o quão longe eu poderia chegar. Então, quando eu fiz trinta anos, percebi que não ia mais ganhar meu pão como lutador de MMA e não quis pôr minha saúde em perigo só para continuar me aventurando no esporte. Mas, ao mesmo tempo, eu não quis sair totalmente dele. Então, decidi continuar o treino para me manter em forma e ajudar a preparar alguns caras mais jovens na minha equipe.

Ainda existe a vontade de lutar?
Sim, às vezes. Mas ela desaparece quando eu lembro de todas as corridas de manhã cedo e de toda a malhação pesada que eu tinha de fazer antes e depois de trabalhar; quando penso nas sessões de treino tarde da noite por cinco, seis vezes na semana, e da constante dieta para manter o peso. Hoje em dia, eu aproveito o esporte muito mais porque o pratico somente por prazer pessoal. Se eu perder uma sessão de treinos, o mundo não vai acabar; se eu quiser comer besteira e tomar algumas cervejas de vez em quando, eu posso fazê-lo sem me sentir culpado, sabendo que não vou levar uma surra no octógono.

Qual a sensação de entrar no octógono pela última vez?
A luta final não foi tão diferente das anteriores a ela, pois eu não sabia que aquela seria a última luta e, certamente, não tinha a intenção de que minha carreira acabasse ali. Minha decisão de não competir novamente veio apenas alguns meses após ter me afastado por um tempo. Nesse período, completei 30 anos e comecei a pensar que talvez fosse a hora de pendurar as luvas e voltar à faculdade para concluir meus estudos, pois isso me daria melhores oportunidades de trabalho. Também nessa época comecei a me concentrar no português, porque essa era uma das metas que eu tinha, mas que estava enrolando para realizar.

Vários atletas, após se aposentarem, decidem abrir escolas esportivas para crianças e adolescentes. Esse é um projeto futuro?

Eu já estou envolvido com treinamento de lutadores na academia que frequento. É o que eu curto fazer, pois me mantém envolvido no esporte que eu adoro e me ajuda a transmitir alguma experiência e algum conhecimento para a nova geração que está começando sua jornada. Isso me traz uma sensação muito boa por poder conseguir dar alguma coisa de volta à academia onde eu trenei por tantos anos, e sentir orgulho ao ver que vários membros da equipe, os quais eu tenho ajudado durante esse tempo todo, têm obtido grande sucesso na carreira.

Assista à luta de John Donnelly contra Dave Cullen, em 2009

Comentários

Postar um comentário