A IMPORTÂNCIA DA BARBA NO UNIVERSO MASCULINO


Foto: Márcio Walter Machado e colaboradores

  SOCIEDADE E COMPORTAMENTO   Amados por uns, execrados por outros, os pelos faciais estão ditando a moda nesta década, quebrando paradigmas e se tornando cada vez mais onipresentes na estética do homem jovem. 


A IMPORTÂNCIA DA BARBA NO UNIVERSO MASCULINO 

Reportagem: Márcio Walter Machado
Podcasts: Márcio Walter Machado com a colaboração de Danúbio Trindade, Lorena Alves e Gabriela Lacerda.

Somente quem nunca deixou as barbas de molho ou emendou os bigodes com alguém se surpreenderia com o título desta reportagem. Afinal, a criação dos pelos faciais tem feito parte do universo masculino, e das culturas humanas em geral, há tanto tempo que expressões como essas se tornaram parte integrante do vocabulário de várias línguas.

Não se sabe dizer por certo quando o Homo sapiens passou a cultivar os pelos do rosto como representação cultural, mas a especulação é que desde que nossa espécie começou a perder os cabelos por todo o corpo, quem mantinha a cara cheia deles ostentava poder, masculinidade, status, dominação, charme, sedução, enfim, tudo o que representa o ser homem na sociedade patriarcal (e mesmo fora dela). Porém, não trataremos do passado remoto nesta matéria (já falamos dele aqui).

Basta dar uma rápida olhada ao redor para ver que a barba e afins parecem mais uma vez estar ressurgindo com tudo nesta década do século XXI, especialmente entre os homens na faixa etária dos 15 aos 45 - para eles, cultivar os pelos faciais está se tornando a ordem do dia.

Barbas bem aparadas, levemente rebeldes, desgrenhadas ou por fazer; bigodes e cavanhaques estilosos, mal tratados, ou tradicionais; costeletas, moscas (pelos faciais crescidos apenas entre a boca e o queixo), tiras, barbichas e uma infinidade de outras formas, chegaram para ficar com tamanha força que grandes empresas como a Gillette se preocuparam em fazer vídeos explicando aos moços qual estilo vai melhor com seu rosto e como cuidar de seus pelos. 

Dada a importância desse símbolo para a rapaziada (e não só para eles), não é de estranhar que o grupo de samba brasileiro Demônios da Garoa, numa composição famosa, lance a questão: será que tem açúcar no bigode do rapaz? O Newsbastidores, junto com a Estação Singular (ouça nossos podcasts nesta página ou aqui), inspirados nisso, lançaram a pergunta: qual a importância da barba no universo masculino? 

Podcast - parte 1

PELAS BARBAS DO PROFETA!

Para a antropóloga e historiadora Núbia Guimarães a importância da barba se deve à ressonância que esse atributo físico masculino encontra no seio da sociedade. Segundo ela, "tendo o significado de distinguir o homem da mulher", a barba, por muito tempo, vem sendo o ícone da masculinidade e da maturidade em várias culturas.

No entanto, hoje, "está menos relacionada à ideia de gênero do que de estética", diz. Isso acontece porque "agora, o uso dos pelos faciais tem a forma, o design, de acordo com a intencionalidade diversa de quem os usa", ela explica, "de maneira que, por exemplo, eles vêm sendo usados por pessoas homoafetivas, ou  por metrossexuais, os quais ressignificam o seu uso e o põem em uma outra dimensão" além da representação do macho. (ouça mais aqui

Apesar dessa ressignificação que vem ocorrendo, talvez, desde a década de 70, a barba e afins ainda são vistos como elemento simbolizador da masculinidade. Para o mestre em zoologia, Eraldo Pereira Pinheiro Júnior (33), "a sociedade respeita o homem que porta barba justamente por ela ser um arquétipo da virilidade por conta das referências históricas nas quais homens notórios são sempre retratados portando pelos faciais".

Já o engenheiro civil Vítor Caldini (22) discorda da ideia desse elemento simbolizador, porém, segundo ele, "muitos homens deixam a barba crescer por esse motivo". Sendo assim, a barba não só representaria o desejo do homem de demonstrar sua virilidade, como também de se legitimar diante da sociedade através de um atributo físico que lhe é dado pela biologia.

Foto: Márcio Walter Machado e colaboradores

Mas será que a barba e seus coleguinhas capilares como a barbicha, o cavanhaque, entre outros, estariam para o homem como a pena está para as aves? Ou seja, é tudo uma questão biológica?

A antropóloga Núbia Guimarães nos traz uma visão curiosa e poética sobre o assunto. Ela diz que "há culturas, como a judaica, em que os homens transcendiam a dimensão natural dos pelos, deixando-os crescer não simplesmente como elemento do corpo, mas como atributo de ligação ao divino, para demonstrar a Deus uma total sujeição da força masculina, representada pela barba, numa retribuição pelo dom da vida".

Assim, criar os pelos faciais tomaria uma dimensão espiritual através da qual o ser masculino se reconectaria com o mundo etéreo. Mas... e quem não pudesse deixá-los crescer?

Podcast - parte 2

MINOXI O QUÊ? 

Pelo que tudo indica, homens imberbes, a depender da cultura, passaram por maus bocados. Provavelmente os problemas variaram desde encontrar uma parceira, a não serem percebidos como viris ou valentes por seus pares, a serem vistos como débeis. Pelo menos é isso o que sugere um estudo, de 2012, publicado pela revista científica Behavioral Ecology, e outro, de 2016, publicado pelo Journal of Evolutionary Biology

Hoje, entretanto, nossos antepassados de cara lisa não teriam muitos motivos de se sentirem deprimidos e marginalizados por não ostentarem no rosto o ar viril e másculo que uma farta cabeleira facial lhes conferiria. Ou assim leva a crer a indústria farmacêutica produtora, entre outros, do Minoxidil, o medicamento queridinho para quem quer fazer cabelos e barbas crescerem.

Segundo a dermatologista Marília Acioli, o Minoxidil "é uma medicação que inicialmente foi usada por comprimido para diminuir a pressão arterial. No entanto, as pessoas que faziam uso dele tiveram crescimento tanto de pelos no rosto como de cabelo. A partir de então ele começou a ser usado, de forma tópica, para o tratamento de crescimento capilar" (ouça a entrevista aqui).

De acordo com o último relatório da Sociedade Internacional de Cirurgia para Restauração Capilar (ISHRS, na sigla em inglês) esse medicamento é usado por mais de 73% dos pacientes em tratamento para crescimento de cabelo. Contudo, ele não é a única forma de obter os tão cobiçados cachos (ou tufos) e sair por aí fazendo invejinha aos outros. Segundo o mesmo relatório, no mundo houve mais de 28.000 pessoas que foram além do uso de medicamento tópico e apelaram para o implante de barba e bigode em 2016 (saiba mais sobre este procedimento aqui).

E aí, a gente se pergunta: por que chegar a gastar até 24 mil reais, segundo o valor divulgado pelo médico especialista em transplantes, Thiago Bianco, na entrevista indicada acima?

TUDO É VAIDADE DEBAIXO DO SOL?

O rei Salomão, ele mesmo portador de uma farta barba conforme os artistas que o pintaram e esculpiram através dos séculos, diria que tudo é vaidade debaixo do sol. E talvez seja justamente por ela, a vaidade, que os marmanjos estejam criando barbas em todos os estilos. Afinal, de acordo com a percepção popular, a barba ajuda muita gente a ficar mais bonita e charmosa, dando-lhes ares de homens desejáveis como o pomo de Adão (vale o trocadilho). Contudo, para estudiosos do comportamento, evolução e psicologia humanos, tem mais caroço nesse angu e a resposta não seria tão simples.

Segundo a psicóloga Edith Janete Schafer, (ouça nosso bate-papo aqui), com questões sociais contemporâneas, como o feminismo, o uso da barba poderia ser uma tomada de posição do homem no intuito de "se colocar de uma forma mais máscula frente ao que está por aí", ou seja, de reafirmar sua postura de macho na tentativa de manter o status quo de dominação masculina.

Essa ideia parece ter eco nas lucubrações do psicanalista britânico Charles Berg e em seu livro The Unconcious Significance of Hair (A Significação Inconsciente dos Cabelos, numa tradução literal). Conforme ele sugere, o aparecimento dos pelos faciais na mesma época em que aparecem os pelos púbicos, teria uma conexão clara: a barba que cresce indômita, rebelde e desafiadora é equivalente a um pênis ereto e exposto ao mundo.

Mas obviamente o dr. Berg está falando em termos psicanalíticos, teóricos, uma vez que, alguém poderia indagar, nem todo homem quer cultivar a cabeleira no rosto e muitos dos que têm pelos os rapam sem motivos de força maior ou os criam simplesmente para proteger a pele do sol e do frio. Bom, isso daí Freud (e Berg) possivelmente também explicariam. Nós aqui preferimos nos ater ao que vemos concretamente neste sentido.

Foto: Márcio Walter Machado e colaboradores

DEPILAÇÃO A LASER OU FOTODEPILAÇÃO?

Enquanto muitos homens querem deixar seus pelos crescerem e angariar os louros da glória que eles acreditam ser inerentes a isso, outros desejam apenas livrar-se deles. É o caso do arquiteto de soluções Flávio Neves (34). Adepto da depilação a laser para eliminação da barba, ele diz que se sente muito bem sem os pelos que o incomodam desde os 15 anos de idade.

Segundo as sócias-proprietárias da loja de depilação OpenLaser, em Salvador (BA), Viviane Faro e Débora Machado, homens entre os 30 e os 45 anos totalizam 98% dos clientes que procuram o método de depilação de barba a laser por motivos diversos, entre eles a foliculite, que é a inflamação do folículo capilar também conhecida como "pelo encravado". Os homens mais jovens, "por esse tipo de depilação ser um método definitivo, não demonstram tanto interesse. Provavelmente por receio de um dia quererem portar a barba ou o cavanhaque", explica Viviane.

O método surge como uma forma de eliminar para sempre os pelos do corpo, inclusive a barba, após um determinado número de sessões (ouça a entrevista aqui). No entanto, há algumas restrições para que os pelos sejam eliminados com o laser, uma delas é a perda de pigmentação do pelo conforme ela nos explicou: "O laser é atraído pela melanina, então, homens que tenham a barba branca não poderão usufruir desse tipo de depilação devido à falta de pigmentação dos pelos". (Para saber mais sobre regiões faciais onde os pelos podem ser eliminados a laser, visite o site da OpenLaser)

Ainda segundo as sócias nos disseram, é necessário observar a diferença entre depilação a laser e fotodepilação, uma vez que esta última pode ter uma duração menor, de dois a três anos, no resultado da eliminação do pelo, podendo ser que, depois desse período, o paciente precise refazer o procedimento. Já a depilação a laser é definitiva. 

A BARBA FAZ O HOMEM - OU NÃO

Se todos estamos certos de que beleza não põe mesa, e o hábito não faz o monge, o mesmo não acontece em relação à barba e afins. Por isso, já disseram por aí, numa alusão a John Lennon, que homem tem de fazer amor, não a barba. Pois é ela que diferencia o homem do menino e dá ao jovem o ar de maturidade.

No entanto, nem todos estão de acordo com esse entendimento. O geógrafo Luca Lämmle (25), acredita que "um simples corte de cabelo pode passar a ideia de masculinidade e virilidade sem que haja a necessidade de barba", tudo depende "do conjunto de características da pessoa". Já a funcionária pública Suely Lisa (53), diz que "os pelos são importantes para a masculinidade, porque são justamente eles que diferenciam o homem da mulher e a barba, dessa forma, além de conferir charme e elegância ao homem, ainda exala uma forte ideia de virilidade".

Seja como for, no decorrer da história, os pelos faciais desempenharam funções diversas e ainda hoje, mesmo ressignificados, como afirmou no início desta reportagem a antropóloga Núbia Guimarães, eles vêm desempenhando papéis fundamentais na formação da identidade social de rapazotes e rapagões.

No entanto, apesar de sua importância num contexto histórico e global, as conversas que tivemos com os vários entrevistados, portadores ou não de barbas, especialistas em diversas áreas humanas, ou mesmos os simples "achistas", nos levaram da pergunta inicial para a criação desta reportagem, "Qual a importância da barba no universo masculino?", à indagação: "Será que a barba faz o homem?". Ouça nossos podcasts e nos conte a sua opinião.

Podcast parte 3 - final 

BARBAS, BIGODES E DIVERSÃO

Se fazem ou não o homem, há controvérsias. Sabe-se por certo é que, se depender da WBMA (World Beard and Moustache Association - Sim! Existe uma associação para os barbados do mundo) o que os pelos do rosto vêm  fazendo mesmo é a festa.

Segundo nos disse, Hans Hamrin, presidente dessa associação que começou formalmente em 2004, na Alemanha, "o propósito do grupo é unir os clubes de barba espalhados pelo planeta e estabelecer as regras e o local para os concursos que vinham acontecendo pelo mundo desde a década de 80". O próximo, inclusive, será agora entre os dias 17 e 19 de maio, na Antuérpia, Bélgica. 

Os concursos, que ocorrem a cada dois anos, têm quatro categorias principais com várias subdivisões, entre elas, uma inesperada competição para senhoras! As ladies estão levando a sério o ditado segundo o qual "com mulher de bigode nem o diabo pode!"

Fotos: Dan Sederowsky/ reprodução Facebook

Para Hans Hamrin, ele mesmo portador de um belo bigode estilo Imperial Class, a categoria Free Style é a prima donna do concurso, porque é onde "os competidores tornam sua aparência realmente especial". Apesar dessa liberdade de estilo toda que o concurso permite, de acordo com Hamrin, nenhum dos looks que ele viu até hoje o surpreendeu grandemente, pois "pode acontecer de tudo na WBMA. O importante é a rapaziada se reunir e tomar uma boa cerveja", afinal, completa, "a grande diversidade de pessoas é alegria e a cerveja é vitamina B, que é uma ótima opção na ajuda do crescimento capilar".

Se a WBMA tivesse um grito de guerra, ele bem que poderia ser: BARBADOS DO MUNDO, UNI-VOS! E eu acredito que Marx não se chatearia com a paráfrase, considerando aquele barbão espesso que ele portava.

      Imagens compiladas da internet - da esquerda para a direita: Dom Pedro II, "Jesus", Sigmund Freud, Gengis Khan, Karl Marx

Alguns dos nossos entrevistados responderam à pergunta: qual estilo de barba você usa? Pedimos a eles que dessem uma olhada nesta lista aqui para responderem. Ouçam o áudio:


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